Curadoria / Curatorship: Chico Lacerda
Meu cão me ensina a viver / My dog teaches me to live
Dir: Filipe Moura. Brasil, 2007. 13”
Sinopse: Jovem fotógrafo, após súbita enfermidade do seu cão, busca entender toda a extensão do que significa a presença.
Synopsis: After his dog’s sudden illness, a young photographer seeks to understand the full extent of what presence means.
Bom pra você / Good for you
Dir: Renata Druck. Brasil, 1998. 5”
Sinopse: A Via Crucis do Corpo. Uma garota tem um sonho sobre gravidez.
Synopsis: The Via Crucis of the Body. A girl has a dream about pregnancy.
Lilith
Dir: Marina Weis. Brasil, 2001. 6”
Sinopse: Lilith: louca, serpente, lua negra, primeira mulher, a bruxa. Lilith: a guardiã da ousadia.
Synopsis: Lilith: madwoman, snake, black moon, first woman, the witch. Lilith: the guardian of boldness.
O novo monumento / The new monument
Dir: Luiz Roque. Brasil, 2013. 6”
Sinopse: Em um cenário pós–apocalíptico, tomando partido dos para- digmas plásticos modernos por meio da obra escultórica de Amilcar de Castro, reconstrói-se literalmente um novo monumento — supostamente objeto de valoração e reconhecimento civilizatório e social.
Synopsis: In a post-apocalyptic scenario, taking advantage of modern plastic paradigms through the sculptural work of Amilcar de Castro, a new monument is literally rebuilt — supposedly the object of valuation and civilizing and social recognition.
Verdade ou consequência / Truth or consequence
Dir: Aleques Eiterer. Brasil, 2002. 13”
Sinopse: As verdades e as consequências dos atos de cinco amigos.
Synopsis: The truths and consequences of the actions of five friends.
Copo de leite / Glass of milk
Dir: Jura Capela. Brasil, 2004. 12
Sinopse: O filme flerta com o universo feminino e se lança na natureza numa busca que movimenta riachos, regaços, marés, seios, leite, árvores, umidade, pernas e profundas inquietações.
Synopsis: The film flirts with the female universe and laun- ches into nature in a search that moves streams, laps, tides, breasts, milk, trees, humidity, legs and deep concerns.
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HOMENS TRISTES, MULHERES LIVRES / SAD MEN, FREE WOMEN
Para um garoto gay como eu, crescer nos anos 80 e 90 foi uma aventura. Não havia espelhos disponíveis na cultura de massa para refletir um desejo muito particular que eu sentia pulsando dentro de mim. Talvez algumas poucas capas suspeitas de VHS nos recantos da locadora guardassem a chave para aquilo, mas como encampar essa busca sob os olhos vigilantes da minha família, atenta ao mínimo desvio?
Em meados dos anos 90, uma versão pocket do Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual chegou ao Recife. Planejei o álibi e apressei-me ao cinema do Teatro do Parque administrando o frio na barriga. Luzes apagadas, imagens na tela, um portal para um novo mundo se abriu. Percebi assombrado uma relação com o cinema que passava não pelo intelecto, mas pelo corpo, pelo sangue, pelas entranhas. Relação conjugada a uma sintonia fina com a plateia: no riso, no debo- che, no sobressalto, no pesar e no desejo. Retornei anualmente àquelas sessões eletrizantes que definiram o que produzo hoje na academia e no audiovisual.
Eram sessões entre democráticas e caóticas não só tematicamente, mas também em termos de bitola. Havia o deboche trash em VHS e outros suportes de vídeo. Havia o narrativo bem compor- tado do 35mm. Havia os experimentos potentes do Super 8. E havia o 16mm, que era outra coisa.
Filmes mais silenciosos. Grãos que implicavam mundos particulares, que eram o nosso mundo mas também não eram, posto que atravessados fortemente pela subjetividade de quem os produzia. Cores sui generis criando atmosferas predominantemente quentes ou frias, nunca neutras. Homens tristes, fechados, sozinhos na multidão anônima da metrópole ou na proximidade opressora das cidades do interior. Mulheres livres, ora transbordando seu desejo em imagem, ora despejando alegremente sua fúria contra uma violência histórica.
Os seis curtas que apresento aqui são, em sua maioria, remanescentes em 16mm dessas sessões. Seu impacto poderia ser reduzido àquele outro contexto, de escassez de imagens que retratassem e suprissem as variadas vivências de sexualidade e gênero. Revisitando-os, eu tendo a discordar. Consigo identificar sensibilidades e subjetividades muito específicas – temporal e geograficamente – mas que continuam a apresentar potencial e potência para dialogar com o que vivemos e sentimos hoje. Ainda que o céu seja outro – para o bem e para o mal – são estrelas que continuam brilhando, ora através de cintilações sutis, ora de explosões violentas. Deixo então o convite – e a luneta – para observação.
(Chico Lacerda)
For a gay kid like me, growing up in the 80s and 90s was an adventure. There were no mirrors available in mass culture to reflect a very particular desire I felt pulsing inside. Perhaps a few suspicious VHS covers in the video store’s corners held the key to that, but how to embrace this search under the watchful eyes of my family, attentive to the slightest deviation?
In the mid-1990s, a pocket version of the Mix Brasil Festival of Sexual Diversity arrived in Recife. I planned the alibi and hurried to the Teatro do Parque cinema, managing the butterflies in my stomach. Lights off, images on the screen, a portal to a new world opened itself. I was amazed to see a relationship with cinema that passed not through the intellect, but through the body, the blood, the entrails. A relationship in fine tuning with the audience: in laughter, mockery, shock, grief and desire. I returned annually to those electrifying sessions that defined what I produce today in the academy and in the audiovisual sector.
Those were sessions between democratic and chaotic not only thematically, but also in terms of gauge. There was trashy debauchery on VHS and other video media. There was the well-behaved narrative on 35mm and the powerful Super 8 experiments. Also the 16mm, which was something else.
Quieter movies. Grains that implied particular worlds, which were our world but also not, since they were strongly crossed by the subjectivity of those who produced them. Sui generis colors creating predominantly hot or cold atmospheres, never neutral. Sad, closed men, alone in the anonymous crowd of the metropolis or in the oppressive proximity of the inner cities. Free women, now spilling their desire into an image, now joyfully pouring out their fury against historical violence.
The six short films I present here are mostly 16mm remnants of those sessions. Its impact could be reduced to that other context, of scarcity of images that portray and supply the varied experiences of sexuality and gender. Revisiting them, I tend to disagree. I can identify very specific sensitivities and subjectivities – temporally and geographically – which keep presenting potential and potency to dialogue with what we live and feel today. Even though the sky is different – for better or worse – they are stars that continue to shine, sometimes through subtle sparkles, sometimes through violent explosions. I then leave the invitation – and the telescope – for observation.
Chico Lacerda
Chico Lacerda é professor do departamento de Comunicação Social da UFPE, onde leciona disciplinas relativas à realização audiovisual. Faz parte também do coletivo Surto & Deslumbramento (deslumbramento.com), que desde 2012 produziu dezenas de curtas, médias e longas que dialogam com questões gays e queer. Nos últimos anos vem ainda se dedicando ao estudo e trabalho com o 16mm.
Chico Lacerda is a professor at the communication department at UFPE, teaching courses related to audiovisual production. He is also part of the collective Surto & Deslumbramento (deslumbramento.com), which has produced dozens of short, medium and feature films that dialogue with gay and queer issues since 2012. In recent years he has been dedicating himself to studying and working with the 16mm.